Carmélia Maria de Souza é celebrada em documentário com lançamento em 2024

By 25 de julho de 2023julho 27th, 2023Filmes, Notícias

Em um quarto escuro, em frente a uma máquina de escrever, cigarro aceso na boca, apenas sob a luz de uma luminária, Carmélia Maria de Souza dá vida a mais uma de suas crônicas sobre o cotidiano capixaba, que instigam os moradores da Grande Vitória, por volta dos anos 60 e 70. Seria mais uma noite rotineira na vida de uma das mais importantes cronistas do Espírito Santo, se o ano não fosse 2023, a mulher sentada em frente à máquina de escrever não fosse a atriz Inácia Freitas (caracterizada com peruca e figurino) e o quarto não fosse um cenário delicadamente construído no interior do teatro que carrega o nome de Carmélia.

Atrás das câmeras, construindo esta cena, estão os realizadores Tati Rabelo e Rod Linhales, responsáveis pelo documentário “Não se Aproxime”, projeto audiovisual da Mirabolica Filmes em parceria com a Galpão Produções, que está em seu período de filmagens. “É um documentário híbrido. Como Carmélia era avessa a fotografias, registros, a gente decidiu criar essas reconstituições com atrizes e atores”, explica Tati Rabelo. No que Rod Linhales complementa: “Para estas cenas usamos textos do livro Vento Sul. Na verdade todo o roteiro é criado com textos dela.”

TRANSGRESSÃO DAS LETRAS PARA AS IMAGENS

Vento Sul, citado pelos diretores, é o único registro em livro dos textos de Carmélia, publicado dois meses após a morte da cronista, em 1974. Além dos textos da autora, a obra trazia notas e uma introdução escrita pelo jornalista Amylton de Almeida, amigo pessoal de Carmélia. Na publicação, não é difícil notar a ironia e as observações ácidas e precisas que a cronista trazia sobre o cenário capixaba da época.

Um olhar voraz e audacioso, que muitas vezes assustava e enfurecia os poderosos do Estado e que os diretores pretendem levar para as telas de cinema. “Carmélia foi uma figura revolucionária. Uma mulher fora dos padrões, negra, gorda, LGBT+, que se fez ouvir numa época de extremo machismo. Pra gente é uma honra fazer este filme”, afirma Tati.

Essa mesma ousadia se encontra no “DNA” da nova produção. Em sua equipe atuam majoritariamente mulheres e pessoas LGBTQIAPN+. Uma decisão nada ao acaso dos realizadores que acreditam honrar o legado transgressor da cronista.

PERSONAGENS E PESSOAS

Como uma marca dos textos de Carmélia era a habilidade eminente de observar e revelar personas capixabas através de si mesma, nada mais justo que o filme apresentar pessoas que tentam revelar o que foi e o que é a importância da cronista capixaba. “No filme nós temos os atores que fazem essa reconstituição e também o depoimento de pessoas que conviveram com Carmélia”, explica Rod.

Entre os presentes no set estão as atrizes Inácia Freitas e Danyelli Garajau de Andrade, que interpretam a cronista em suas fases adulta e jovem, respectivamente; A atriz Cinthia Caetano, que dá vida à Dindi, personagem criada por Carmélia em seus textos, a quem ela constantemente utiliza como um escape para suas agruras com a cidade; e Murilo Abreu que interpreta o próprio pai, o músico Afonso Abreu, um grande amigo da escritora.

E por falar no músico integrante da clássica banda capixaba Mamíferos, Afonso Abreu também aparece na lista de depoimentos do documentário, assim como o historiador Francisco Grijó, autor de “Os Mamíferos: crônica biográfica de uma banda insular”, o que enfatiza a ligação de Carmélia com cena artística da metrópole.

Outras participações já confirmadas são da escritora Bernadete Lyra e da jornalista Maria Angela. “Queremos depoimentos daqueles que conheceram Carmélia. que conviveram com a cronista e a pessoa. inclusive, ainda queremos depoimentos de personalidades como Glecy Coutinho e Claudio Tovar”, enumera Tati. “Também vamos utilizar registros sonoros daqueles que já não estão mais aqui, como o músico Aprígio Lyrio”, conclui Rod Linhales.

50 ANOS SEM CARMÉLIA

“Um povo deletério.” É assim que Carmélia Maria de Sousa adjetiva ironicamente os moradores de Vitória em uma de suas crônicas. E basta uma leve pesquisa em qualquer dicionário para descobrir o que significa a palavra tão pouco usada na linguagem popular:

Deletério

1.

que possui um efeito destrutivo; danoso, nocivo.

2.

que é prejudicial à saúde; insalubre.

 Foi com essa escrita irônica, mas precisa nas observações da ilha, que Carmélia se tornou uma das mais importantes cronistas do Espírito Santo. Uma importância que Tati Rabelo e Rod Linhales fazem questão de ressaltar em  “Não se Aproxime”.

Em meio a captura de imagens, os diretores têm em mente o lançamento do filme para o próximo ano, afirma Tati. “Um ano importante pra gente porque em 2024 serão 50 anos da morte de Carmélia.” E nada melhor do que marcar esta data com a celebração da vida e da obra desta grande cronista capixaba. Uma obra valiosa, tal qual a própria vida de Carmélia, como ela mesma poeticamente pontuou em suas crônicas.

“Possuo uma riqueza muito melhor e maior que os ricos não possuem: uma riqueza que os rudes não enxergam e não entendem. Ela vem de dentro, e se me perguntarem como é que ela é, responderei assim: é uma coisa toda interior, grandiosa, sem fim, esta é a riqueza que me faz – embora pobre – imensamente rica, porque me faz feliz.”

O documentário “Não se Aproxime” está sendo realizado com recursos do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura), da Secretaria de Cultura (Secult).

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